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domingo, 26 de outubro de 2014

Colaboração e aprendizagem de línguas na Internet: o caso Livemocha

Esse artigo foi apresentado no II People.NET in Education: Congresso de Redes Sociais Aplicadas à Educação.

Título: Colaboração e aprendizagem de línguas na Internet:  o caso Livemocha 

Autores: 
Alexandre Campos Silva 
Renato Kimura da Silva 

Esse congresso você não pode perder! 


RESUMO

Esse trabalho busca uma discussão a respeito de um modelo de aprendizado de línguas na internet. Analisamos a rede social Livemocha, e verificamos como o modelo de interação baseado na colaboração pode estruturar uma rede de ensino-aprendizado. O trabalho visa elucidar: - Os distintos papéis que os nós da rede social exercem; - Os modelos de colaboração possíveis, criados através da ideia de constante interação entre os alunos, com a correção de atividades e o conceito de aluno-professor; - Os incentivos e recompensas voltados ao engajamento social, que mantém e expande a rede.

PALAVRAS-CHAVE: Colaboração, E-learning, Idiomas

INTRODUÇÃO

No que diz respeito a aprendizado em ambientes virtuais, o Livemocha se destaca por um modelo fundamentado em rede social, onde o ensino-aprendizado ocorre através da interação. As aulas são pré-definidas e disponibilizadas aos alunos, que devem optar pelos idiomas a serem aprendidos. Os próprios alunos, nativos de uma língua, podem corrigir lições concluídas por outros alunos, que estão aprendendo esse idioma.

A respeito de interação, Primo [1] nos apresenta dois conceitos: interatividade reativa e interatividade mútua. A interatividade reativa é pré-moldada, caracterizada por uma “forte roteirização e programação fechada que prende a relação em estreitos corredores, onde as portas sempre levam a caminhos já determinados à priori.”. Sendo assim, a interatividade reativa é mais determinística. Já a interatividade mútua é mais flexível, mutável, através de um processo de constantes trocas, portanto imprevisível.

A particularidade da rede social Livemocha está no hibridismo entre os modelos de interação; há uma vertente das lições extremamente engessada, muito característica de um LMS (Learning Management System), porém a ideia de colaboração entre os alunos resgata a essência da interatividade mútua, adicionando personalidade e flexibilidade à rede.

A análise do caso Livemocha, objetiva entender as particularidades do uso da interatividade mútua no ensino de línguas à distância.

Justificativa
A popularização da utilização das redes sociais é um fenômeno mundial que atrai cada vez mais internautas no Brasil segundo o Ibope Nielsen Online [2]. Portais educacionais e diversos sites na Internet buscam integrar seus sites e blogs com o dinamismo das redes sociais em busca de satisfazer os desejos dos usuários que gastam cada vez mais tempo nas redes sociais no Brasil, e em vários países do mundo [3]. É interessante observar como a colaboração é um pilar fundamental para o funcionamento e sobrevivência de sites como Wikipedia entre outros. A Wikipedia é uma enciclopédia gratuita criada e que funciona num modelo colaborativo. Este modelo se espalhou por diversos sites na Internet [4].
O estudo de línguas também atrai cada vez mais pessoas no Brasil, e o site LiveMocha.com ganha destaque com um grande número de brasileiros. Uma das razões de atrair milhões de internautas é por oferecer um serviço gratuito baseado na colaboração e este foi o principal motivo que nos motivou a analisar mais a fundo este modelo de colaboração aplicado para o aprendizado de línguas.

LIVEMOCHA


Estatísticas

O Livemocha é uma grande comunidade de idiomas, com um total de 12 milhões de membros de 195 diferentes países [5]. A presença do portal é mais forte no Afeganistão, onde ocupa o 170° lugar no ranking nacional em visitação. Em seguida está o Cazaquistão (300°), Algéria (665°), Azerbaijão (1.010°), Egito (1.244°) e Colômbia (1.252°). O Brasil aparece em sétimo lugar, onde o site é o 1.314° mais acessado [6]. Apesar do acesso ao portal ser maior nos países islâmicos, é possível ver na Tabela 1 a distribuição de visitantes por país ao site livemocha.com. Baseado em uma média da Internet, o site é mais acessado do ambiente escolar, por usuários entre 18 e 24 anos, que não possuem filhos [6].
Em 2011, o grupo de brasileiros no portal representava 25% do total da base de clientes, o que correspondia a uma fatia de 2,2 milhões de usuários brasileiros [7].

Estrutura
No Livemocha os alunos podem se inscrever em aulas de diferentes idiomas. As aulas são desenvolvidas por unidade, sendo que uma mesma unidade contém diferentes tipos de lições. Cada lição pode ser do tipo:
A) Leitura – leitura e compreensão de textos, com exercícios de interpretação.
B) Escrita – pequenas redações de temas pré-definidos, afim com a temática da unidade.
C) Exercícios de expressão oral – compostos por trechos de gravações de textos, a serem lidos pelo próprio aluno.
As atividades são desenvolvidas dentro das unidades, sendo que para cada atividade é cobrado um valor determinado, ou um valor fechado mensal. Os cursos podem também ser desenvolvidos sem custos, através de um modelo de colaboração, tema desse texto. As correções das atividades ocorrem de duas formas:
1. Professores tutores, profissionais remunerados exclusivos para correção das atividades postadas pelos usuários – serviço cobrado;
2. Correção por outros usuários, nativos, fluentes ou conhecedores do idioma em questão – serviço gratuito.
Para o segundo caso, os alunos interagem colaborando com conhecimentos próprios em um determinando idioma. Assim, supondo que o usuário A queira aprender inglês e saiba japonês, e o usuário B queira aprender japonês e saiba português, o usuário A poderá cursar aulas de inglês mediante correção de atividades do usuário B em japonês, ou de colaboração com outros usuários que queiram aprender esse idioma. O mesmo ocorre com o usuário B, que poderá cursar as aulas de japonês gratuitamente, desde que contribua para que outros usuários aprendam português. A moeda de troca dessas interações é chamada de tokens.

É interessante observar como a rede se auto-organiza baseado no modelo de colaboração. Através das aulas préconcebidas, os próprios usuários compõe a rede social, colaborando para o aprendizado dos outros, e mantendo a rede em funcionamento. Essa ideia de colaboração é percebida no comentário coletado em entrevista dos autores a um usuário da rede [8]: “A forma como as pessoas interagem, deixa claro que será um esquema de troca, em que possoajudar uma pessoa e também ser ajudado! Assim posso "descobrir" com um nativo como se fala no dia a dia, como as expressões são usadas.”.

O sistema de recompensas mascara a mecânica de interação mútua. A dinâmica de realização das aulas e correção de atividade de outros estudantes é o que garante a manutenção da rede, e não o sistema de bonificação, que na verdade nada mais é do que o direito de participação.
Essa característica do Livemocha obedece ao princípio de exterioridade de Pierre Lévy. A rede não tem motor interno, “seu crescimento e sua diminuição, sua composição e sua recomposição permanente dependem de um exterior indeterminado: adição de novos elementos, conexões com outras redes, excitação de elementos terminais (captadores), etc.” [9]. A experiência do usuário com o idioma a ser ensinado é que mantém a rede em funcionamento.

Além dos tokens, que garantem a participação dos usuários, o Livemocha conta ainda com um sistema de pontuação, os chamados MochaPoints, concedidos através das atividades na rede social

ATIVIDADES DO ESTUDANTE
Lições Concluídas 8
Envios de atividades de escrita 5
Envios de atividades de expressão oral 22
Quizzes ou Ensaios Consideradas 0

ATIVIDADES DO PROFESSOR
Comentários escritos 42
Comentários em áudio 16
Primeiro a Revisar 2
Dicas Especiais Criadas 0
Traduções 0

OUTRAS ATIVIDADES
Conjuntos de Flashcard Criados 2
Bate-papos
Figura 1. Sistema de Recompensa Mochapoints
É possível conquistar pontos exercendo o papel de aluno ou de professor. O que delineia a quantidade de pontos em cada quadro é o perfil pessoal de cada aluno, que opta por participar de mais aulas ou corrigir mais lições. Todas as atividades na rede são pontuadas, e esses pontos garantem status ao aluno, o que acaba por classificá-lo como um participante ativo ou menos participativo.

Aspectos Comportamentais
A cada correção de atividade, o aluno recebe um comentário redigido pelo autor da correção – nativo na língua -, ou comentário em áudio para os casos de lições orais. Toda lição recebe uma pontuação que varia de 1 a 5 pontos, para as seguintes categorias:
A) Ortografia: erros de ortografia;
B) Proficiência: dificuldade de compreensão;
C) Gramática: erros de gramática.
Não existe critério para submissão de revisão, o que significa que um usuário pode submeter uma avaliação sem grande utilidade a determinada lição. O aluno que recebe esse tipo de feedback pode classificar a contribuição como ruim, o que influencia em um critério de utilidade do usuário que submete a revisão – dado em porcentagem.

Esse tipo de comportamento, que visa apenas à obtenção de pontos para o corretor, deturpa o conceito da rede, pois desqualifica o processo de interação-aprendizado. Aqui se aplica o conceito de fios topicais [10] “linhas de conversação em redes sociais que interligam um mesmo tópico de discussão, evoluindo a partir dessa interação”.

Mesmo que uma correção não seja positiva, o fato do sistema permitir correções de diferentes nativos/fluentes naquela língua cria uma linha de discussão de certa forma isolada em grau de contribuição, mas coletiva, dado que os usuários vêm o que de positivo já foi postado, para submeter sua própria revisão.
Outro fato interessante é notar como o status é relevante no digital. O Livemocha, por ser uma rede transmídia, além do portal Livemocha, possui um blog, um perfil no Facebook e uma conta no Twitter. As três redes se conversam, criando um canal de comunicação unificado, onde o que é postado no Facebook corrobora com as chamadas do Twitter, e o blog faz a linkagem fora de tópico – ainda que inserido no contexto do aprendizado de idiomas – do portal. Em um post no blog de novembro de 2011, intitulado “Como o Batman para o Aprendizado de Idiomas” [11], alguns usuários que colaboravam fortemente com a rede foram contatados pela mesma, com os seguintes objetivos (tradução dos autores):

A) Distribuir o senso de ajuda desses participantes entre todos os estudantes do Livemocha;
B) Reconhecer publicamente esses atores como os superstars que são, e recompensá-los com conteúdo premium;
C) Fazer com que os demais estudantes saibam que podem confiar nos feedbacks desses “super-heróis”.
Um desses colaboradores contatados postou em seu blog pessoal sua opinião sobre o fato:
“Esse parece um ótimo modo de lidar com o problema de correções de usuários - ou seja, a qualidade pode variar muito, e você nunca sabe realmente o que está recebendo. Então, basicamente, eu sou o Batman para o aprendizado de idiomas? Legal...” [11]


Além dos citados Mochapoints, o status digital é uma recompensa interessante. Parte do princípio de uma ecologia cognitiva. Na definição de Santaella a “diversidade e a mistura entre razão, sentimento, desejo, vontade, afeto e o impulso para a participação, estar junto, cuja força brota do simples fato de que é bom estar junto, ainda mais quando o compartilhamento, a reciprocidade e a cumplicidade não têm outro destino ou finalidade a não ser o puro, singelo e radical prazer de estar junto” [12].
Acima do título e status de super-herói da língua, a iniciativa do Livemocha sustenta a ideia de pertencer ao grupo, de diferenciação, mas também do engajamento e visibilidade de árdua participação. É o prazer de estar junto.
Outro aspecto interessante no Livemocha é a presença do recurso de chat. É possível se conectar por sessão deáudio a outro usuário que fala a língua que se pretende aprender. Muitos usuários demonstram especial apreço por essa forma de interação, menos engessada ao modelo tradicional de aprendizado formal, onde se tem um conteúdo para seguir.

CONCLUSÕES
O LiveMocha é uma estrutura diferencial de ensino-aprendizado de idiomas em meios digitais. Sua raiz está na interação, tanto reativa quanto mútua. O sucesso da rede está na combinação dos modelos, tendo como estrutura um roteiro reativo mais fixo, que o aluno segue para assimilar conceitos novos, e o adicional da interação mútua, representado pelos outros alunos nativos na língua a ser aprendida. Esse fator flutuante da participação e da colaboração parece ser o atrativo principal da rede, o que ocasiona o uso de artifícios sociais, como sistema de pontuação e encorajamento de correções concisas.

Apesar de a rede estar sujeita a alguns desvios de participação, como má contribuição e revisões, o problema é sanado quando se abre a uma mesma lição a possibilidade de várias interações, de diferentes usuários. Além disso, o sistema de classificação das revisões acaba por contribuir com correções mais precisas.

É interessante observar que a colaboração entre os usuários que desejam aprender idiomas é um aspecto que garante que os alunos /usuários possam continuar estudando o idioma sem ter de pagar pelo curso. Trata-se de um modelo gratuito financeiramente onde o investimento feito para aprender uma língua pode ser realizado dedicando tempo e esforço na correção de atividades de outros usuários.

Observamos que a troca de conhecimento entre os usuários, portanto, é um motor fundamental para que o Livemocha.com continue a existir e poder ajudar pessoas a aprenderem línguas pelo mundo. Este fenômeno de colaboração para aprendizagem gratuita na Internet é um modelo já existente na Internet como já foi visto, por exemplo, na enciclopédia Wikipedia.com. Outro aspecto importante, além da vontade de aprender a língua, é o desejo do usuário e o impulso para participação e o estar junto conforme a ecologia cognitiva de Santella [12]. Por fim, o fato dos usuários que mais participam das correções de atividades serem reconhecidos publicamente na rede social como muito participativo é também mais uma recompensa pela participação e pela longevidade desta ecologia cognitiva.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] PRIMO, A. (2001). Ferramentas de interação em ambientes educacionais mediados por computador. In A. PRIMO, Ferramentas de interação em ambientes educacionais mediados por computador.
 [2] Ibope Nielsen Online (2011). Total de pessoas com acesso à internet atinge 77,8 milhões. Disponível em < http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T&nome=home_materia&db=caldb&docid=C2A2CAE41B62E75E83257907000EC04F>. Acesso em 10/11/2011.
[3] NIELSEN (2010). Social Networks/Blogs Now Account for One in Every Four and a Half Minutes Online . Disponível em < http://blog.nielsen.com/nielsenwire/online_mobile/social-media-accounts-for-22-percentof- time-online/>. Acesso em 15/03/2011.
[4] TAPSCOTT, Don & WILLIAMS. Wikinomics: How Mass Collaboration Changes Everything. New York: Penguim Books, 2006.
[5] Livemocha (2012). About Livemocha. Disponível em <http://blog.livemocha.com/about/>. Acesso em 16/03/2012.
[6] Alexa (2012). Estatísticas LiveMocha. Disponível em <http://www.alexa.com/siteinfo/livemocha.com/>. Acesso em 15/03/2012.
[7] INFO (2011). Abril Educação compra parte do Livemocha. Disponível em <http://info.abril.com.br/noticias/mercado/abril-educacao-compra-parte-do-livemocha-05092011-10.shl>. Acesso em 05/03/2012.
[8] Aluno (2012). Depoimento de participante. Concedido em 10/03/2012.
[9] LÉVY, P.: As Tecnologias da Inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
[10] McCLEARY, Leland E. (1996). Aspectos de uma modalidade de discurso mediado por computador. Tese de Doutorado em Lingüística, São Paulo, USP.
[11] Participante (2011). Livemocha to give away its premium content to contributing users. Disponível em <http://www.streetsmartlanguagelearning.com/2011/11/livemocha-to-give-away-its-premium.html?utm_source=blog>. Acesso em 08/03/2012.
[12] SANTAELLA, L: Redes sociais digitais: a cognição conectiva do Twitter / Lucia Santaella, Renata Lemos. – São Paulo: Paulus, 2010. – Coleção Comunicação.

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Um comentário:

  1. muito interessante o artigo. Vale lembra que o metodo de transposição e criação de cursos on line é feito pelo designer instrucional, por isso, a fim de conhecer mais sobre Desenho Instrucional no Brasil, recomendo conhecer o site abradi.org da ABRADI-Associação Brasileira de Desenho Instrucional

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